Quilombolas capixabas e baianos unificam lutas por território tradicional

Audiência realizada no sul da Bahia evidenciou impactos da monocultura do eucalipto nos dois estados
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Publicado em 06/04/2022 às 11h51min - Autor: Redação

Comunidades  quilombolas capixabas e baianas unidas na luta por seus territórios  tradicionais e contra os monocultivos de eucaliptos. Esse foi o  principal saldo conquistado durante a audiência pública realizada  pelo Ministério Público Federal (MPF) e Defensoria Pública Federal da  Bahia (DPU-BA) na última terça-feira (29), no auditório do campus Paulo  Freire da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), em Teixeira de  Freitas. 

"É de suma importância a unificação das lutas dos  quilombolas do norte do Espírito Santo e dos extremo-sul da Bahia. É o  mesmo povo", aponta Domingos Firmiano dos Santos, o Chapoca, liderança  nacional da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) e  membro da Comissão Quilombola do Sapê do Norte. 

O encontro reuniu  mais de uma centena de quilombolas e representantes de instituição de  pesquisa sobre as comunidades negras rurais, com objetivo de "mapear os  impactos econômicos, culturais e ambientais da cultura do eucalipto nas  comunidades quilombolas do extremo sul da Bahia", destacou o procurador  federal baiano José Gladston.

Ao final, mostrou que os impactos  sofridos na Bahia são semelhantes aos daqui. "Precisamos realmente fazer  uma unidade nessa luta", reafirma Chapoca, ainda tocado pelo forte  sentimento de companheirismo entre as duas regiões quilombolas. "Lá eles  também querem que tirem o eucalipto de perto das comunidades. Estão  muito impactados, com rios secos, passando muita necessidade, mesmo",  relata. 

A intenção, revela, é "trazer os irmãos da Bahia para a  nossa Mesa de Resolução de Conflitos e ajudá-los a montar uma parecida  lá também. Vamos fazer intercâmbios entre os dois estados", afirma. 

De  fato, um dos principais encaminhamentos feitos pelo MPF na audiência  foi a criação de um Grupo de Trabalho representado pelo governo da  Bahia, comunidades quilombolas, MPF, DPU-BA, Universidade Federal do Sul  da Bahia (UFSBA).

"A plantação de eucalipto, por si  só, já é danosa. A monocultura consome muita água e requer uma área bem  extensa. O que acontece é que empresas fortes na região que cultivam  eucalipto estão invadindo terras quilombolas", afirma o defensor público  federal Vladimir Correia, participante do encontro. Além da expansão  territorial, complementa, o uso indiscriminado de pesticidas e  agrotóxicos também afeta negativamente essas comunidades, que vivem da  agricultura familiar.

Eucalipto transgênico

Também  participante da delegação capixaba em Teixeira de Freitas, Josielson  Gomes dos Santos, liderança na Coordenação Estadual Quilombola (Coeq) e  membro da Comissão do Sapê do Norte, território formado por São Mateus e  Conceição da Barra, destaca um tema não tão novo, mas que ainda é  carregado de dúvidas e temores: a disseminação do eucalipto transgênico  da Suzano (ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria).

Na Bahia, conta  Josielson, os impactos já são percebidos pelos quilombolas. "Com o  avanço da Suzano próximo das comunidades, ela propôs um projeto de  sustentabilidade, de apicultura. Várias comunidades aderiram ao projeto  para ter uma renda da produção do mel. Mas o eucalipto transgênico não  dá florada, então as comunidades perderam toda a produção. E a Suzano já  está no segundo ciclo de plantio com transgênicos por lá", relata. 

No  Espírito Santo, o plantio da variedade transgênica ainda é  desconhecido, mas o temor é grande de que chegue aqui também ou que  aumente as áreas plantadas com transgênicos. "Já deve ter chegado, mas a  gente não tem certeza", diz.

O coordenador da Coeq conta que os  quilombos baianos se viram obrigados a abrir espaço para a expansão dos  monocultivos, tendo recebido, em troca, o projeto de apicultura que  agora está fadado ao fracasso. "Eram espaços que estavam sendo retomados  pelas comunidades para plantio de lavouras, construção de casas",  lamenta. Lá, como aqui, os eucaliptais são "como um mar, a vista não  alcança o fim", compara. "As comunidades não aguentam mais ficar  espremida desse jeito", afirma. 

Racismo ambiental

Em  suas redes sociais, as comunidades quilombolas baianas explicam que a  audiência histórica é resultado de uma luta de anos junto às  instituições públicas, solicitando "respeito à normatização de  licenciamento ambiental, que deveria proteger os interesses e direitos  da comunidade, impedindo os profundos impactos decorrentes da exploração  do eucalipto, que envolvem ameaças contra os recursos naturais, o  acesso à terra, à memória, à saúde e às atividades cotidianas dos  remanescentes quilombolas". 

Luta que "é do interesse de todos,  para fazer valer o respeito aos Direitos Humanos, à nossa Constituição,  às leis de proteção ao meio ambiente, à saúde e à história das  comunidades tradicionais de nosso país".

A monocultura do  eucalipto, afirmam, "é baseada em políticas públicas ambientais  discriminatórias que evidenciam o racismo ambiental, invisibilizando as  demandas das comunidades quilombolas e ameaçando sua memória e seus  direitos".

Alertas em 2015

O  eucalipto transgênico Eucalyptus spp L. foi liberado para plantio  comercial no Brasil há sete anos, em nove de abril de 2015, pela  Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), atendendo a pedido  feito pela FuturaGene Brasil Tecnologia Ltda, empresa de biotecnologia  da Suzano Papel e Celulose. 

Conforme noticiado pela Agência Brasil,  a aprovação fez do Brasil o primeiro país a liberar o eucalipto  geneticamente modificado. Segundo técnicos da empresa, a espécie tem 20%  mais de produtividade e poderá ser usada na produção de madeira  e papel, entre outros itens.

Um mês antes da aprovação, o  Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupou uma unidade de  pesquisa em Itapetininga, no interior paulista, onde a FuturaGene e a  Suzano Celulose desenvolvem a espécie geneticamente modificada, em  protesto contra a liberação, então em curso. Na ocasião, militantes  também ocuparam o escritório da CTNBio em Brasília, alertando que a  variedade transgênica consome mais água que as plantas naturais e coloca  em risco a produção brasileira de mel, que tem no eucalipto uma de suas  fontes de produção.

Por Eriston Andrade Nunes, Teixeira de Freitas-Ba.


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