Comunidades quilombolas capixabas e baianas unidas na luta por seus territórios tradicionais e contra os monocultivos de eucaliptos. Esse foi o principal saldo conquistado durante a audiência pública realizada pelo Ministério Público Federal (MPF) e Defensoria Pública Federal da Bahia (DPU-BA) na última terça-feira (29), no auditório do campus Paulo Freire da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), em Teixeira de Freitas.
"É de suma importância a unificação das lutas dos quilombolas do norte do Espírito Santo e dos extremo-sul da Bahia. É o mesmo povo", aponta Domingos Firmiano dos Santos, o Chapoca, liderança nacional da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) e membro da Comissão Quilombola do Sapê do Norte.
O encontro reuniu mais de uma centena de quilombolas e representantes de instituição de pesquisa sobre as comunidades negras rurais, com objetivo de "mapear os impactos econômicos, culturais e ambientais da cultura do eucalipto nas comunidades quilombolas do extremo sul da Bahia", destacou o procurador federal baiano José Gladston.
Ao final, mostrou que os impactos sofridos na Bahia são semelhantes aos daqui. "Precisamos realmente fazer uma unidade nessa luta", reafirma Chapoca, ainda tocado pelo forte sentimento de companheirismo entre as duas regiões quilombolas. "Lá eles também querem que tirem o eucalipto de perto das comunidades. Estão muito impactados, com rios secos, passando muita necessidade, mesmo", relata.
A intenção, revela, é "trazer os irmãos da Bahia para a nossa Mesa de Resolução de Conflitos e ajudá-los a montar uma parecida lá também. Vamos fazer intercâmbios entre os dois estados", afirma.
De fato, um dos principais encaminhamentos feitos pelo MPF na audiência foi a criação de um Grupo de Trabalho representado pelo governo da Bahia, comunidades quilombolas, MPF, DPU-BA, Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSBA).
"A plantação de eucalipto, por si só, já é danosa. A monocultura consome muita água e requer uma área bem extensa. O que acontece é que empresas fortes na região que cultivam eucalipto estão invadindo terras quilombolas", afirma o defensor público federal Vladimir Correia, participante do encontro. Além da expansão territorial, complementa, o uso indiscriminado de pesticidas e agrotóxicos também afeta negativamente essas comunidades, que vivem da agricultura familiar.
Eucalipto transgênico
Também participante da delegação capixaba em Teixeira de Freitas, Josielson Gomes dos Santos, liderança na Coordenação Estadual Quilombola (Coeq) e membro da Comissão do Sapê do Norte, território formado por São Mateus e Conceição da Barra, destaca um tema não tão novo, mas que ainda é carregado de dúvidas e temores: a disseminação do eucalipto transgênico da Suzano (ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria).
Na Bahia, conta Josielson, os impactos já são percebidos pelos quilombolas. "Com o avanço da Suzano próximo das comunidades, ela propôs um projeto de sustentabilidade, de apicultura. Várias comunidades aderiram ao projeto para ter uma renda da produção do mel. Mas o eucalipto transgênico não dá florada, então as comunidades perderam toda a produção. E a Suzano já está no segundo ciclo de plantio com transgênicos por lá", relata.
No Espírito Santo, o plantio da variedade transgênica ainda é desconhecido, mas o temor é grande de que chegue aqui também ou que aumente as áreas plantadas com transgênicos. "Já deve ter chegado, mas a gente não tem certeza", diz.
O coordenador da Coeq conta que os quilombos baianos se viram obrigados a abrir espaço para a expansão dos monocultivos, tendo recebido, em troca, o projeto de apicultura que agora está fadado ao fracasso. "Eram espaços que estavam sendo retomados pelas comunidades para plantio de lavouras, construção de casas", lamenta. Lá, como aqui, os eucaliptais são "como um mar, a vista não alcança o fim", compara. "As comunidades não aguentam mais ficar espremida desse jeito", afirma.
Racismo ambiental
Em suas redes sociais, as comunidades quilombolas baianas explicam que a audiência histórica é resultado de uma luta de anos junto às instituições públicas, solicitando "respeito à normatização de licenciamento ambiental, que deveria proteger os interesses e direitos da comunidade, impedindo os profundos impactos decorrentes da exploração do eucalipto, que envolvem ameaças contra os recursos naturais, o acesso à terra, à memória, à saúde e às atividades cotidianas dos remanescentes quilombolas".
Luta que "é do interesse de todos, para fazer valer o respeito aos Direitos Humanos, à nossa Constituição, às leis de proteção ao meio ambiente, à saúde e à história das comunidades tradicionais de nosso país".
A monocultura do eucalipto, afirmam, "é baseada em políticas públicas ambientais discriminatórias que evidenciam o racismo ambiental, invisibilizando as demandas das comunidades quilombolas e ameaçando sua memória e seus direitos".
Alertas em 2015
O eucalipto transgênico Eucalyptus spp L. foi liberado para plantio comercial no Brasil há sete anos, em nove de abril de 2015, pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), atendendo a pedido feito pela FuturaGene Brasil Tecnologia Ltda, empresa de biotecnologia da Suzano Papel e Celulose.
Conforme noticiado pela Agência Brasil, a aprovação fez do Brasil o primeiro país a liberar o eucalipto geneticamente modificado. Segundo técnicos da empresa, a espécie tem 20% mais de produtividade e poderá ser usada na produção de madeira e papel, entre outros itens.
Um mês antes da aprovação, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupou uma unidade de pesquisa em Itapetininga, no interior paulista, onde a FuturaGene e a Suzano Celulose desenvolvem a espécie geneticamente modificada, em protesto contra a liberação, então em curso. Na ocasião, militantes também ocuparam o escritório da CTNBio em Brasília, alertando que a variedade transgênica consome mais água que as plantas naturais e coloca em risco a produção brasileira de mel, que tem no eucalipto uma de suas fontes de produção.
Por Eriston Andrade Nunes, Teixeira de Freitas-Ba.